terça-feira, 30 de agosto de 2011

Cirandinha

Não sei bordar, mas aprendi a costurar desde pequena, olhando minha mãe e minha avó. Não gosto de costurar botões e mas aprendi a costurar outras coisas com prazer. Sei pouco de crochê e tricô, só o básico. Por conta disso vivo xeretando quando alguém crocheta do meu lado, não tenho vergonha na cara. Não pinto nem desenho, faço rabiscos, mas admiro quem tem o dom dessas artes. Gosto de cantar e de dançar. Ultimamente mais cantar, já que dançar ficou difícil. Fotografia boa, só por acidente. Adoro ler, leio de jornal a frasco de shampoo, o que cair na minha mão e tiver uma dúzia de letras será lido. Gosto de computador, mas nada substitui uma voz amiga. Por isso acho que o computador encurtou as distâncias do mundo, hoje falo e vejo meus amigos de longe, mesmo longe deles. Mas nada, nada mesmo substitui um bom abraço amigo. Sou alucinada por cheiros, tenho uma memória olfativa muito presente, sou uma libriana com ascendente em sargitário, que precisa aprender a ver e aceitar a realidade das coisas e das pessoas. Tenho um senso de humor oscilante, chega a ser insuportável. Muitas vezes já quis me separar de mim mesma. Amo animais e plantas, mas não mais do que as pessoas. Cabelos sempre compridos, quase uma década pintados de vermelho fogo e agora fingindo esconder os brancos, uma briga quase silenciosa com a balança, sempre sorrindo por fora, quase sempre chorando por dentro, poucas pessoas sabem. Boa de garfo, muito melhor de fogão. Não tenho conselhos, nem dinheiro no bolso. Amo alucinadamente, sou cega de amor e sofro demais por isso. Gosto de calorão, de cheiro de mato molhado, do meu lugar seja ele qual for. Vivi em São Paulo, fugi pra São Bernardo do Campo, me escondi na Praia Grande e agora de volta à Selva de Pedra. Devo, não nego e se der eu pago. Adoro presentes, mas ganho poucos e gostaria de dar mais. Me descobri egoísta e chata, deve ser coisa da idade. Cobro amor. Só mordo se for provocada."

Xícaras de Café

Nunca fui santa, nem nunca tentei pra dizer a verdade. O que fiz na minha vida foi tentar ser uma pessoa melhor. Mas melhor pra mim, pra ter a certeza de poder deitar minha cabeça no travesseiro e dormir na paz.
Mudei com o tempo, sem pressa, porque não queria ter que voltar atrás. Só me arrependo do que não fiz, do que não senti, daquilo que me privei de viver e que o tempo levou embora sem retorno. Tenho história pra contar, não passei pelo mundo sem deixar as minhas marcas. Mas confesso que o mundo deixou mais marcas em mim do que eu nele.
Não tenho vergonha de dizer que errei e que errei muitas vezes. Por excesso, por força, por pura ação, pouquíssimas vezes por omissão. Ainda assim, acho que poderia ter tomado mais decisões, podia ter dito mais coisas que eu queria dizer, podia ter gritado mais comigo mesma, me trazendo a razão das minhas ações, ter dito até o que eu não queria dizer para deixar de engolir os sapos da vida. Sapos boi.
Sei que tudo isso faz parte de um crescimento lento e progressivo que todo ser humano tem de passar. Algumas pessoas podem não perceber, outras ficam tão preocupadas com isso que nada lhes escapa. Eu acho que fiquei no meio termo, em alguns momentos deixo passar, noutros me preocupo demais. Aprendi que é preciso crescer sem muito sofrimento, mas lembrando sempre que crescer dói, machuca, derruba pré-conceitos, constrói barreiras novas. Crescer demanda tempo, demanda coragem, precisa de xícaras de café e longos períodos de silêncio.

"Então me vens e me chega e me invades e me tomas e me pedes e me perdes e te derramas sobre mim com teus olhos sempre fugitivos e abres a boca para libertar novas histórias e outra vez me completo assim, sem urgências, e me concentro inteiro nas coisas que me contas, e assim calado, e assim submisso, te mastigo dentro de mim enquanto me apunhalas com lenta delicadeza deixando claro em cada promessa que jamais será cumprida, que nada devo esperar além dessa máscara colorida, que me queres assim porque assim que és..."
Caio Fernando Abreu

A escolha de Neo

"Eu li a Escolha de Sofia antes de ter visto o filme. E li antes de ter idade e maturidade pra entende-lo melhor.
Quando eu vi o filme eu não fiquei tão impressionado como todo mundo fica. E eu achava a Meryl Streep muita da feia. Veja como eu era tonto.
Dai eu nunca cito a Escolha de Sofia quando eu estou diante de um dilema ou de uma escolha.
Eu sempre penso no Neo e nas pilulas vermelhas e azuis.
A Escolha que Sofia fez tem uma pegadinha. Porque ela sempre acaba perdendo tudo qualquer que seja a decisão.
A escolha do Neo é mais pragmatica: No que acreditar, naquilo que os meus olhos veem ou naquilo que o meu instinto de preservação diz ?
E ai o filme vai dando esse baile na gente o tempo todo. Pra gente não acreditar no que a gente vê. Porque os nossos olhos podem ser enganados. E tem aqueles efeitos absurdos. Mas que naquele mundo acaba dando certo.
E dai o Neo tenta atravessar um predio com um salto e não acredita naquela papagaiada e acaba se esborrachando no chão. Um dos personagens pergunta: e agora acontece o quê ? Nada, um outro diz.
E dai a Trinity entrega a chave do segredo. É preciso acreditar com o coração. Porque mesma que você não saiba qual pilula tomar e nem qual filho salvar estar em paz com o seu coração é o que te salva das escolhas e caminhos errados.
O mundo a minha volta berra e vomita bile dizendo que as pessoas não prestam. Que elas mentem enganam e são más.
O meu coração diz que o mundo ainda pode ser salvo. Dai eu fico meio assustado porque eu lembro que o mundo é grande e todas essas pessoas ruins moram nele.
Dai eu lembro de uma coisa que eu aprendi em um outro filme: ” Quem salva uma vida, salva um mundo inteiro “
Eu não consigo salvar a vida de ninguém e nem do mundo inteiro. Então eu salvo a minha vida e o mundo inteiro acaba sendo salvo.
Não vou odiar."



(do blog "Lágrimas de crocodilo") - grifo meu

Rakushisha

"Para andar, basta colocar um pé depois do outro. Um pé depois do outro. Não é complicado. Não é difícil. Dá para ter em mente pequenas metas: primeiro só a esquina. Aquele sinal com faixa de pedestres e o homem esperando para atravessar com um guarda-chuva transparente e um cachorro de capa amarela.
O cachorro parece um labrador e olha para mim quando me aproximo.
Tem uma cara afável. Somos ocidentais nós dois, amigo. Se bem que você talvez tenha nascido aqui, não é? Nasceu? No canil de um criador? Claro, onde mais, você me responde, com a paciência dos labradores.
Eu não nasci aqui. Não sei se você está muito interessado em saber. Sou do outro lado do planeta. Pode-se dizer que vim escondido dentro da bagagem de outra pessoa. É como se eu tivesse entrado clandestina, apesar do visto no meu passaporte. De fininho, para que não me vissem, para que não vissem as coisas invisíveis que eu trazia na mala. Que ninguém me veja ainda, que ninguém suspeite. Nesse sentido sou bem mais ocidental do que você, amigo de capa amarela. Não pertenço a este lugar.
E por que exatamente estou aqui, então, você poderia me perguntar se tivéssemos mais tempo para trocar olhares, se a sua coleira e o seu dono já não fossem te puxando para as suas obrigações - sejam elas quais forem, acompanhar, guiar, divertir.
Não sei muito bem, para ser honesta. Estive reaprendendo a andar. Estou reaprendendo a andar. Depois da tempestade, da era glacial, da grande seca, a gente pode usar a imagem que quiser, ninguém vai se importar muito, afinal, quem somos nós se não menos do que anônimos aqui. Abriu-se esta porta. Agora não dá tempo de te contar como aconteceu. E ainda não sei se andar equivale a lembrar, se equivale a esquecer, e qual das duas coisas é o meu remédio, se nenhuma delas, se nenhuma opção existe e se andar é o mal e o remédio, o veneno que tece a morte e a droga que traz a cura. Se vim para lembrar - se vim para esquecer. Se vim para morrer ou para me vacinar. Talvez eu descubra. Talvez nunca seja possível descobrir, desvelar, levantar o toldo, remover qualquer traço de ilusão de caminhar.
Seja como for. É só colocar um pé depois do outro."
Adriana Lisboa

Sempre ali

Eu só queria que alguem passasse aqui, neste exato momento, e me tirasse de casa. Queria que me levasse pra algum lugar longe daqui, onde eu pudesse sentar de frente pro mar, sem pensar muito. Queria que ele ficasse ali comigo, olhando as ondas indo e vindo, sem que precisássemos de nenhuma palavra. Só queria que ele passasse seu braço pelo meu ombro quando as lágrimas começassem a escorrer pelo meu rosto, e que não fizesse nenhuma pergunta. Queria que ele me abraçasse forte, quando as lágrimas se tornassem um choro incontido, até que a dor se esgotasse e eu pudesse, por uns minutos apenas, descansar no seu peito sem que houvesse a necessidade desse tempo acabar.
Eu só queria que ele limpasse meu rosto, sujo da maquiagem borrada, e sem nenhuma palavra, fizesse eu ainda me sentir linda. Eu queria que ele me trouxesse pra casa, beijasse meu rosto e fizesse eu entender que ele estaria ali. Sempre.